- Professor? – um dos rapazes perguntou um tanto quanto receoso – Uma das moças foi reportada pelas companheiras como desaparecida. Ninguém a viu desde a noite anterior.
O professor passou os olhos pela turma de homens que ele ajudava a formar e tentou identificar um possível culpado para descontar o ódio de ter sido atrasado. Queria chegar rápido ao local do torneio pra poder descansar antes de encontrar com os outros homens-de-arma.
- Quem Smith? – ele retrucou.
- Lady Barlow, sir. – ele respondeu quase como se pedindo desculpas pela moça.
O peito de Matthew inflou de uma mistura de raiva e preocupação. O que teria acontecido com sua protegida? Então ele não a vira subindo as escadas para seus aposentos? O que ela teria feito? Alguém a teria raptado?
- Desgraça.
Saiu correndo para dentro da estalagem e foi buscar professora Hostilia. Ela estava com as outras duas moças, sentadas no sofá da sala de convivência da hospedagem.
- Qual de vós foste a última a ver Lady Barlow? – perguntou ele quase cuspindo ao falar a ultima palavra. – Respondam.
As três entreolharam-se assustadas. Até mesmo a professora mão-de-ferro parecia assustada com o professor de ressaca, monstruoso em sua raiva.
- Eu. – disse Lyra, a corvinal. – Subimos juntas para o quarto e eu estava prestes a dormir quando ela disse que iria buscar água para tomar, pois tinha sede. Eu ia atrás dela, mas já estava completamente vestida para dormir e temi que algum homem me visse assim. Como havia uma bandeja com uma jarra de água no corredor ao lado do quarto da professora, presumi que ela voltaria logo. Devo ter adormecido, pois não me lembro de ouvi-la voltar.
Matthew ouviu-a atentamente e sua mente presumiu que nesse momento, a lufana deveria ter ido lá para o salão. Logo, o último a encontrá-la fora ele próprio, entretanto recordava-se quase com certeza de que a vira subindo as escadas de volta ao quarto.
- Mandem vasculhar todos os quartos da estalagem. – O professor voltou-se para um rapaz que trabalhava no local que estava por perto. – E torça para que ela não tenha sido encontrada no quarto de algum outro hóspede aventureiro.
Todos cruzaram os dedos, enquanto o professor subia, ele mesmo, para revirar o lugar inteiro.
Mira terminou de escovar Scadufax e pela posição do sol no céu, viu que o dia já havia nascido há algum tempo e que ela provavelmente perdera a hora ao cuidar de seu corcel. Este último relinchou de contentamento ao ver-se livre das escovas protetoras que ele tanto não gostava. O cavalo não podia negar que era confortante ver-se sem os nós que infestavam seu pêlo, mas ao mesmo tempo, detestava a sensação das cerdas passeando por seu pelo.
A jovem, por outro lado, achava relaxante cuidar de seu companheiro e fora justamente por essa propriedade que ela desistira de tentar algum sono reparador, passara por seu professor de História Antiga adormecido e viera até o estábulo olhar por Scadufax.
Ao ver que o dia já corria, se preocupou com o horário, afinal, Matthew havia dito que partiriam cedo, bem cedo. Arrumou seu material e correu pelos fundos para tentar alcançar o quarto sem ser vista.
- Mira! Finalmente! Onde tu estavas? – ouviu uma voz atrás de si e virou para reconhecer Jake de Malvoisin, o Vesgo, na porta do estábulo. – Puta merda, que susto que nos deste. Está todo mundo te procurando, achamos que alguém havia lhe feito algum mal. Graças a Deus, estas bem.
O Vesgo correu até a menina e deu-lhe um abraço. O rapaz não tinha muitos pudores com as damas, especialmente aquelas a quem ele considerava amigo. A principio, ele gostara da idéia de que moças pudessem competir com os homens no torneio inter-escolar, para que elas pudessem humilhar alguns idiotas, mas assim que vira sua amiga desaparecida, desejou que elas nunca mais tivessem que fazer uma viagem tão longa com eles.
- Eu estou bem, Vesgo. Eu só acordei cedo para vir cuidar de minha montaria. - Ela falou meio sem graça com o abraço do amigo.
- Tu não tens idéia do quanto preocupou todo mundo. – Ele olhou para a garota. - Nossa. Estas toda suja de pêlo de cavalo e barro. Lady Gryffindor vai querer te arrancar a pele e ela não é a única... Sei que o professor Aldearan está de mau humor hoje...
Os dois andaram lado a lado, enquanto um Vesgo aliviado falava sem parar sobre o quanto ele nunca mais a deixaria desacompanhada naquele torneio. Ele era um bom amigo, pensou Mira, angustiada com a recepção que teria ao aparecer naquele estado para o resto do grupo.
- Professor, eu a achei! – gritou subitamente o rapaz.
Matthew virou para o lugar da onde tinha vindo o grito e uma onda de alívio misturada com nervoso invadiu seu ser. Por um lado, ele queria abraçá-la e enchê-la de beijos e carinhos, dizendo que ela nunca sairia do seu lado enquanto ele vivesse. Já tivera um gosto de preocupação por ela ter sumido uma vez e não planejava passar por isso de novo. Por outro lado, ele queria quebrar o pescoço daquela desgraçada por fazê-lo se preocupar e passar vergonha na frente de outros alunos e garotas.
- ONDE a senhorita estava? – ele perguntou vociferando com ela.
- Professor Aldearan, eu fui até o estábulo preparar a minha montaria para o torneio. Eu havia pensado em montá-la hoje até a cidade para acostumá-la com o ritmo de corrida e fui checá-la...
- DESACOMPANHADA? SEM AVISAR NINGUÉM? SEM QUE UM HOMEM A ESCOLTASSE?
A menina baixou a cabeça, nervosa por tais palavras e ao mesmo tempo pesarosa porque sabia que havia preocupado e atrasado a todos. Matthew se descontrolou e extravasou toda a raiva que estava sentindo desde o começo daquela manhã.
- E se alguém a tivesse feito mal? E se tivesse sido seqüestrada por bandoleiros? Se houvessem manchado tua honra? – Ele segurou o braço dela com força - O QUE LHE PASSOU PELA CABEÇA QUANDO SAIU DA ESTALAGEM ANTES DO SOL NASCER?
Mira mordeu os lábios, segurando as lagrimas. “Não vou chorar, esse desgraçado não vai me fazer chorar.”, ela pensou consigo mesmo e não conseguiu responder à pergunta. O professor percebeu que ela não conseguia falar e virou-lhe as costas.
- Já perdemos tempo demais. Vamos embora.
Ele afastou-se e foi selar seu cavalo, enquanto todos os outros se apressavam a arrumar suas montarias e trazer suas bagagens para seus respectivos lugares. Mira olhou o resto das pessoas e viu uma das moças se aproximando com a professora Hostilia.
“Ai meu Deus, lá vem.”, ela pensou com um arrepio cruzando-lhe a espinha. A professora mirou-a de cima abaixo e a menina preparou-se para receber uma reprimenda.
- Se eu não estivesse tão debilitada por causa de minha poção, a senhorita haveria de ouvir umas lições. – disse a mulher enquanto apoiava-se levemente na aluna que a ajudava – Milady Stevenson, leve-me até a carruagem. E tu, - e apontou para Mira - limpe-se com puder.
A corvinal assentiu e cambaleando um pouco, foi cumprir a ordem da mestra, enquanto a lufana corria para dentro e pegava suas coisas, sacando um lenço de dentro das vestes e já se espanando pelo caminho.
Matthew estava prestes a subir no cavalo quando foi interrompido por uma moça, extremamente tímida de falar com um dos professores mais respeitados da escola, que disse com voz baixinha:
- Professor...
- Que é? – ele respondeu rispidamente, para depois acrescentar um rigoroso – milady.
- É que...
- Fale!
- Temos um pequeno problema com nossa carruagem. - ela terminou e baixou a cabeça, como sempre fazia quando estava na presença dele. - A professora Hostilia está dormindo e não há espaço para todas nós. Para virmos, uma de nós ficou sentada no chão o tempo todo.
Matthew parou para refletir. Sua vontade era dizer que elas que se apertassem, mas sabia que seria muito rude e desrespeitoso com elas. Mas que porcaria de problema também! Sua testa franziu ao ver Mira se aproximando, esbaforida.
- Eu poderia ir montada em Scadufax e já prepara-lo para a prova... professor. – ela disse, acrescentado a última palavra com desgosto. - Era minha idéia inicial quando fui cuidar dele e...
- Não quero ouvir tuas desculpas, Milady. – ele disse – E tampouco posso deixá-la montar sozinha num cavalo enquanto estivermos numa estrada. Tenho outras coisas com as quais me preocupar.
Ele falou aquilo e pôs-se a pensar. Deixa-la montar estava fora de cogitação, iria ser uma fonte a mais de nervosismo. Tinha que arrumar um modo de resolver aquele problema que havia surgido numa hora inoportuna. Talvez se...
- Bom. – ele começou. – Façamos o seguinte então. Não posso deixar milady montar sozinha, mas certamente não te incomodarás se for na minha montaria. Não vou deixá-la tampouco com um dos rapazes, como modo de não gerar qualquer dúvida sobre sua honra, mas creio que não teremos problema se montares comigo.
A idéia o agradava cada vez mais a partir do momento em que pensara nela. Mira estava um tanto quanto chocada com o que fora proposto. Detestara ter sido exposta naquela bronca que ele lhe dera e nem pudera se explicar e agora, detestaria ainda mais ter que conviver com ele - bem próxima - durante o dia inteiro.
- Está decidido. – ele falou, abrindo um meio sorriso. – Milady, volte para sua carruagem e Lady Barlow, venha comigo.
A ruiva andou ao lado do professor o tempo todo com a cabeça baixa e os punhos cerrados, sinal que estava fazendo algo a contragosto.
Matthew subiu no cavalo e sem que dissessem uma palavra estendeu sua mão, a colocando montada junto dele. Com um levantar de mãos todos saíram para aquele último dia de viagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário