segunda-feira, 29 de junho de 2009

Capítulo 12


Matthew deu um leve aceno com a cabeça quando Mira entrou na sala de aula, carregando sua espada e bainha. O professor não virou-se para falar com ela, continuou juntando o material que iria precisar para aquela aula.

A menina esperou pacientemente sentada numa das cadeiras do recinto, enquanto ele ajustava um pequeno dispositivo e murmurava algumas palavras mágicas. Depois, ele se levantou e deu um sorriso satisfeito para a ruiva.

- Espero que estejas preparada para uma aula bastante distinta, milady. – ele começou e a referida se encolheu um pouco na poltrona onde estava. – Hoje vamos trabalhar com algumas regras básicas.

- Eu imaginei que já estivesse fora do ciclo básico. – ela murmurou baixinho, mais para si mesmo do que para ele.

- Na verdade, estás. – ele respondeu, sorrindo. – Mas esse é o treinamento de regras básicas de um guerreiro. Geralmente, os soldados acabam aprendendo isso em batalha, mas eu posso reproduzir algumas condições para atingir os efeitos desejados.

Mira manteve-se calada e ficou pensando no que poderia estar por vir. Matthew se aproximou dela e estendeu sua mão para que levantasse. Então, sem jeito, demorou-se para decidir se ele mesmo iria prender o dispositivo ou se pediria para que ela o fizesse. O decoro venceu.

- Eu preciso que você ajuste essa caixinha em algum lugar do seu corpo, preferencialmente na parte de cima das suas vestes. – ele pediu, entregando-lhe cuidadosamente na palma da mão.

Era um cubo preto e com um feitiço aderente numa das faces. A menina o olhou interrogativamente, mas ele não disse nada. Então, ela prendeu a pequena caixa ao lado de seu ombro direito e ele se colocou no outro lado do quarto.

- Essa será sua primeira lição, Mira. – ele disse, deixando escapar o nome dela, que ele tanto gostava de falar. – Me machuque.

A ruiva arregalou os olhos e respondeu com um sonoro ‘Quê?’ de surpresa.

- Tu me ouviste corretamente. – ele confirmou e repetiu. – A tua primeira lição consiste em me machucar.

Ela olhou para a espada em sua mão.

- Podes utilizar sua varinha. – Matthew adicionou. – Aliás, podes utilizar tudo que estiver ao seu alcance, mas tu tens que me machucar.

A jovem ficou um instante muda. “Eu não quero machuca-lo. Ele nem está com qualquer tipo de arma! A varinha e a espada dele estão guardadas!”.

- Eu estou ficando impaciente, Mira. – ele avisou. – Ou me machucas ou vamos acabar com nossas aulas hoje mesmo.
Ela suspirou.

- Eu não quero.

- Bom, então, nossa aula acabou. Tu não tem o que precisa para ser um bom guerreiro e, portanto, não tem o menor sentido eu continuar te ensinando como lutar. Não sei por que perdi meu tempo. – ele falou e saiu da posição onde estava, descruzando os braços.

- Espere... – ela falou subitamente. Estava tentando se acostumar com a idéia.

- Confie em mim. Me machuque. – o professor falou para ela e olhou diretamente em seus olhos.

A ruiva deixou se perder nos olhos verdes daquele homem por um instante apenas e suspirou novamente.

- Está bem.

Então, sem aviso, com uma vontade fora de si, Mira tentou dar uma estocada no ombro de seu professor. Naquele momento, um choque estranho partiu de seu ombro e atingiu no corpo inteiro. Ela parou, imobilizada, sem ar do susto e da dor. Não conseguiu gritar e ele a observou cair de joelhos, com o coração na mão.

- Mira?– ele a chamou, sem sair do lugar onde estava colocado. – Levante.

Ela ouviu o comando dele e tentou se colocar de pé.

- O... que... foi... isso? – disse, entre uma tomada de fôlego e outra.

- Eu ajustei a caixa para te dar um choque cada vez que você tentar investir contra mim.

- QUÊ?

- Sim. E a lição ainda não acabou. Tu precisas me atingir! – ele disse.

Aquilo soou muito cruel para a cabeça dela e dele. A jovem ficou extremamente indignada com seu professor, que a machucava enquanto tentava fazer com que ela o machucasse. Soava como uma brincadeira sadomasoquista. E ele sentiu-se mal por estar submetendo-a àquilo, mas era a primeira lição crucial que um guerreiro aprendia em batalha. Se ela não conseguisse sobreviver àquilo, bom, ela não seria nunca uma boa espadachim.

A raiva deu um novo ânimo de energia na disposição de Mira para machucar aquele homem à sua frente. Investiu novamente com fúria, dessa vez lançando seu corpo inteiro em cima dele.

- AAAAAH! – ela deixou escapar enquanto o choque percorria seu corpo, não menos pior do que na primeira vez.


- Mira, precisas te levantar. – ele a comandou novamente, enquanto a assistia voltar ao chão, depois do golpe que a caixinha lhe aplicara.

“Tem que haver algum truque”, ela pensou consigo mesmo. “Algum jeito de atingi-lo que não faça isso me dar choque. Alguma coisa.”. E Matthew percebeu pelo jeito como a menina olhava ao seu redor no que ela estava pensando.

- Não existe. Vais me atacar e vais tomar choque. Tu precisas ser forte e agüentar como um... – ele ia dizer homem, mas trocou a palavra - ... guerreiro.

Mira entendeu o que ele iria dizer e ficou ainda mais raivosa.

Aquela situação se repetiu por ainda mais algumas vezes, até que o ódio que tomou conta do corpo dela venceu toda a dor que estava sentindo.

- Eu... – *choque* – VOU – *choque* – CONSEGUIR – *choque* – SEU BASTARDO! – *choque* – *choque* – *choque*.

A ruiva tentou não cair quando a seqüência de choques tornou-se quase ininterrupta e avançou o mais rápido que pode para o homem que estava a sua frente, com o coração na boca e olhos esperançosos. Ela enfiou com tudo a espada no pé do homem e ele soltou um grunhido de dor.

- Você conseguiu. – disse ele, enquanto parava para tomar ar.

A ruiva colapsou no chão.

Matthew sorriu enquanto arrancou com tudo a espada cravada em seu pé e foi até o armário para procurar os primeiros socorros que iriam estancar o fluxo de sangue.

Mira acordou deitada em cima de um monte de mantas acolchoadas no chão da sala de seu professor. Demorou alguns instantes para lembrar do que havia acontecido e sentiu a raiva queimar suas bochechas.

- O que foi tudo aquilo? – Ela perguntou, sentindo seu corpo doer, ao ver o professor sentado ao seu lado, observando-a. – Há quanto tempo estou aqui?

- Uma hora, mais ou menos. – ele respondeu e acrescentou, numa voz que mal disfarçava o orgulho em sua voz. – Parabéns.

Matthew sorriu e Mira estendeu a mão para lhe dar um tapa.

- Não precisa, já me machucaste o suficiente hoje. Vês? – ele apontou para o pé, que estava enfaixado e ensangüentado. – Isso foi a sua espada e se fosse um inimigo você o teria debilitado seriamente com uma hemorragia.

Ele parou por um instante para respirar e repetiu o “Parabéns”.

- Parabéns pelo quê? – ela perguntou, com a fúria contida na voz. – Por ter te machucado e me machucado? Por ter sido idiota de não ter parado antes de te acertar?

Ele a observou cuidadosamente.

- Tu podes ainda não ter racionalizado, mas acabou de aprender a primeira lição do guerreiro em batalha. – ele explicou. – A maior parte dos soldados entra em combate muito mais preocupado em não se machucar do que acertar alguém. O bom guerreiro SABE que vai se machucar, que vai doer. Mas ele não pára. Ele está lá para acertar alguém. E é esse seu objetivo. Machucar, não importa o quanto estás sendo machucado. E quando conseguiste fincar tua espada em meu pé, apesar de saber que levaria choques, teu corpo, teu coração e teu espírito entenderam isso.

Matthew prendeu a respiração para ver como a menina reagiria ao que ele havia dito. Esperava que ela o compreendesse e perdoasse, mas sabia que estava fazendo a coisa certa, se ela quisesse continuar a aprender a lutar.

- Eu... entendo. – Mira respirou fundo. Sua cabeça estava confusa. Ela havia entendido exatamente o que ele havia feito, mas não conseguia se impedir de estar com raiva. Ao mesmo tempo, não queria entender. Ele a havia machucado! Ela o havia ferido!

- Eu sei o que estás passando. – ele falou, suspirando. – Eu passei pela mesma lição. De uma forma pior. Eu estou tentando fazer com que seja menos doloroso com ti, mas não pude evitar.

- Eu... preciso me recolher. – ela disse e ele, pela primeira vez desde que haviam começado esses encontros lúdicos, temeu que ela fosse abandoná-lo em suas lições. Matthew a ajudou a levantar e a levou até a porta, dando em sua mão um frasco.

- Tomes antes de deitar, vai acordar bem pela manhã. – ele recomendou, olhando para baixo.

- Obrigada. – ela respondeu, também olhando para o chão. – Até a próxima, professor, nesse mesmo horário.

Ele sorriu e acenou enquanto ela partia. Estava orgulhoso.

Um comentário:

Casa disse...

Definitivamente eu adoro esses dois.

Estou louca para as coisas esquentarem mais!