terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Capítulo 27

Mira POV


Subi na carruagem com um ar ligeiramente desesperado. Seriam dois dias para voltar até Hogwarts e o tamanho do transporte não havia aumentado nem, tampouco, a quantidade de passageiros havia diminuído: seriamos três moças e uma velha espaçosa, - pensei eu maldosamente – dividindo um espaço extremamente diminuto. Uma de nós teria que ir ao chão.

Iria suspirar, mas temi que as outras denotassem por esse suspiro um quê de apaixonada; como eu realmente estava, aliás. Não sei bem porque, mas todas as meninas têm um senso sobrenatural para perceber quando uma de nós está caída de amores por um rapaz.

Eu não queria perguntas.

Por vários motivos: porque eu sou uma pessoa discreta, porque perguntas e brincadeirinhas me incomodam, porque minhas colegas podem ser ótimas pessoas, mas são indiscretas e logo a notícia de que “finalmente fisgaram o coração de Mira Barlow” correria pela escola.

Acima de tudo, no entanto, eu não queria perguntas porque a pessoa por quem eu estava apaixonada era também meu professor de História Antiga e de Esgrima (em aulas secretas das quais ninguém poderia saber.).

Matthew de Aldearan.

Meu Matthew.

Ele me pedira para chamá-lo de Matthew e o nome dele soou tão... tão certo na minha boca. Não era, claro, como se eu nunca o houvesse chamado assim, mas... é diferente se ele pede, certo?

O fato da carruagem lotada me fez pensar com saudade na ida com ele, montados no mesmo cavalo, a égua Eva. É claro que, na época, aquilo me irritou, pois estávamos brigados, mas agora... eu daria quase qualquer coisa para estar junto com ele e fora dessa maldita condução apertada.

Não consegui conter o suspiro dessa vez e Lyra me olhou com um jeito estranho. Ela estava no banco ao lado da professora Hostilia, que roncava em seus ouvidos. As outras duas meninas que viajavam com a gente estavam distraídas e somente ela me percebeu suspirando no chão.

- Tudo bem? – ela perguntou baixinho.

- Sufocante. – eu respondi silabicamente, também baixinho.

Ela murmurou um desculpe, mas eu sabia que ela iria trocar comigo de qualquer jeito quando fizéssemos a primeira parada, então, ela não tinha nada do que se desculpar. As outras duas, por outro lado, poderiam se oferecer para fazer parte do rodízio.

Com a professora dormindo, não pudemos conversar em voz alta, o que me deixou com tempo livre demais para pensar na vida e nos acontecimentos recentes.

A conversa que eu e Matthew tivéramos aquela manhã me deixara inquieta. Quando ele começou a falar, a princípio, pensei que não estivesse apaixonado por mim e aquilo me partiu o coração. Achei que era um desafio que ele havia conseguido vencer, mas depois, no entanto, percebi que ele estava tentando me fazer enxergar outras opções. Como ele poderia não ver que eu estava apaixonada por ele e que não iria querer outro?

Quando uma moça se apaixona, ela o faz para valer. Assim foi com minha mãe, assim foi comigo. Não iria simplesmente mudar de idéia porque ele se achava um partido ruim para mim.

Matthew de Aldearan, O Esgrimista, RUIM para mim? Meu tio provavelmente teria um ataque se soubesse. Ele mandaria soltar fogos e meu dote seria enorme, porque o meu noivo seria um grande nome dos nossos tempos.

Ele disse que não iria me pedir em casamento enquanto eu não estivesse certa. Eu estou... só preciso fazer com que ele entenda isso!

Porem ele não pode pedir minha mão ainda, apesar deu ter transbordado de felicidade em saber que ele tinha isso em mente. Antes ele precisa saber, saber quem são meus pais, que sou uma... Mestiça.

Essa palavra me doeu a mente, o que ele acharia quando soubesse que meu pai é um trouxa? Seu amor por mim era forte o suficiente para aceitar isso?

Vejo que na verdade quem precisa se preocupar se o sentimento do outro não irá mudar sou eu. Eu carrego um segredo que ele não sabe... Um segredo que muito consideram uma desgraça, ainda mais se pensar em filhos.

Meu coração se apertou ao pensar que ele poderia não me aceitar. Se ele tinha tantas duvidas sobre o que eu sentia por ele, será que ele poderia ter alguma duvida sobre o que sente por mim?

Eu estava perdida em meus pensamentos quando a carruagem parou e eu estranhei. Não havia se passado mais do que algumas horas, não deveríamos ter parado ainda. Levantei a cabeça e então me coloquei de modo a ver o que estava acontecendo, junto com as outras meninas.

Percebi que eram ladrões de comitivas e eles acuavam o grupo. Estavam em quinze e nós estávamos com menos, mas um pouco melhor preparados do que eles. Matthew olhou para onde estávamos e me viu à janela. E sorriu.

Eu não entendi direito no instante em que aconteceu, mas quando me dei conta, metade dos ladrões estava nocauteado no chão! E somente Matthew havia se movido, o resto dos alunos estava ocupado em manter o resto dos bandidos sob controle.

Meu coração acelerou e subiu à boca. No que ele estava pensando? Pelo menos poderia ter deixado os meninos ajudarem-no, em vez de atacar sozinho. Homens! Sempre em busca da glória! Aquilo me deixou com raiva.

Então, vi que Matthew se aproximava da carruagem.

- Aconteceu um pequeno incidente, miladys. Não vos preocupeis, os ladrões já foram contidos e as autoridades já foram acionadas. Devem estar vindo para cá, mas nós partiremos antes que elas cheguem.

E ele sorria, olhando fixamente para mim, e eu podia ver o orgulho naqueles olhos verdes dele. Parecia... não sei.

Então, a viagem recomeçou e eu podia ouvir os alunos alvoroçados lá fora, discutindo a impressionante performance de seu mestre, murmurando sobre o quão facilmente ele dominou o grupo de bandidos.

Eu quase podia imaginá-lo sorrindo, sem que ninguém mais visse, orgulhoso de ter se feito útil, não um inválido, como ele mesmo se descrevia. Matthew, você definitivamente não é um inválido! Eu tinha vontade de gritar para ele, de sacudi-lo para a verdade, mas ele diria que eu o vejo com olhos bons demais.

Andamos por bastante tempo com paradas ocasionais para esticar as pernas até que paramos na estalagem para passar a noite. Eu saí da carruagem e fui levar Scadufax até o estábulo junto com alguns outros alunos quando ouvimos alguma coisa rosnar na floresta ao nosso redor.

Jake gritou:

- FENRIRS!

E todo mundo parecia saber exatamente do que se tratava, menos eu, a única garota. Talvez por esse motivo que um dos rapazes, Troy, eu acho, me disse para sair correndo e chamar o mestre de esgrima.

Não pensei duas vezes e fui, enquanto eles ficavam alvoroçados, alguns desembainhando suas espadas. Meu coração bateu forte queria ficar a ajudar, mas Matthew precisava ser avisado.

Fui até onde me lembrava ser o balcão da estalagem, procurando entender a situação, ouvindo rosnares ao meu redor. O que seria aquilo?

- Professor! – Eu ia chama-lo de Matthew, mas consegui me refrear em tempo. – Alguma coisa está acontecendo lá fora.

- Fenrirs. – ele falou e eu confirmei com a cabeça. – Preciso ir. Onde? Me mostre!

- No estábulo, mas quando estava voltando ouvi os rosnados no caminho também. – Eu avisei e o segui quando ele correu para o lugar, apesar dele ter me mandado ficar.

- Cuidado. – Eu pedi, baixinho, esperando que ele me ouvisse, mas ele apenas saiu correndo.

O meu bom senso me mandava voltar para dentro da estalagem, mas, intimamente, eu queria saber o que iria acontecer e o que eram aqueles fenrirs que estavam falando. Meu desejo de saber o que eram fez meu medo dos rosnados diminuir e meu corpo seguir no caminho contrario de onde deveria seguir.

Um frio na espinha me bateu quando eu ouvi os rosnados e eu corri para onde o resto do grupo estava. Precisava ver tudo o que estava acontecendo.

Então, eu vi, na borda da floresta, uma espécie de matilha de lobos. Não sabia se podia descrevê-los assim: parecia-me uma mistura de lobo e urso, mas muito maior do que deveriam ser. Como eu nunca vi nada parecido com aquilo? Eram ferozes e pareciam que seguiam somente o instinto de atacar.

Matthew estava na frente do grupo, levando todas as investidas dos fenrirs, que pareciam extremamente fortes e agressivos. Aquilo me fez querer mata-lo: ele não podia se jogar nos golpes assim! Desejei poder pegar minha espada e me juntar a ele, protegeria suas costas com minha vida se necessário.

Instintivamente me abaixei e peguei uma espada caída perto de mim. Uma briga dentro de mim se formou, queria ir, mas poderiam me perguntar onde aprendi a lutar. Decidi que assistiria, mas se algo acontecesse com Matthew eu não responderia mais por mim.

A batalha durou mais alguns momentos, com todos os rapazes atacando os bichos até que eles decidissem recuar para a floresta novamente. Então, estava tudo calmo e eu estava lutando para desacelerar meus batimentos cardíacos.

- Estás bem? – eu senti alguém me perguntar e vi que era Jake, com a mão no meu ombro.

Rapidamente coloquei a espada em minhas mãos atrás das minhas vestes, procurando onde esconde-la.

- Eu... estou. – respondi para ele.

Dei dois passos devagar para trás esperando chegar à parede onde eu vira antes alguns sacos. Vesgo estava com boas intenções e eu não sabia se me preocupava com ele perto ou esconder o que tinha em minhas mãos.

- É por isso que moças não devem ir para a guerra. – Ele falou e pegou gentilmente no meu braço. – Eu te levo até a estalagem, vem.

Eu não iria contestar, pois com esse movimento consegui virar meu corpo, colocando a espada entre as saias e a escondi. Foi quando ouvi uma voz um pouco mais grossa falando com meu amigo:

- Não me arrisco a deixar Lady Barlow andando sozinha com um rapaz com sua fama numa noite dessas, senhor Vesgo. – Matthew disse com uma reprovação moderada na voz.

- Eu nunca faria nada à Mira, digo, Lady Barlow, professor. – ele disse, na forma mais galante indignada que ele conseguiu colocar. – O senhor sabe.

- O resto da sociedade não. – ele retrucou. – Descanse em paz: eu levarei milady até seus aposentos.

E Vesgo bateu uma espécie de continência acompanhado de um “Sim, senhor” e seguiu na nossa frente, junto com o resto dos rapazes.

- Estás bem? – Matthew repetiu a pergunta de Jake e eu fiquei pensando por alguns instantes.

Me perguntava o que dera no meu professor de esgrima, usualmente tão tático e estrategista, para ficar se jogando na frente de todas as ameaças que apareceram durante o dia.

Será que.... será... será que ele...? Não ele. Mas talvez... hmm... eu engoli seco e fechei os olhos, lançando minha pergunta sem pensar:

- Matthew... Tu estavas se pendurando de cabeça para baixo numa árvore só para me impressionar?

E eu senti meu rosto ficando vermelho, vermelho, vermelho. Isso mesmo, Mira, você tinha que perguntar. Só porque ele disse que te ama não significa agora que o mundo dele gira ao redor de você. Problemas de ego sérios aqui, hein?

- Sim. – ele disse numa voz um pouco engraçada.

Eu parei por um instante e de repente, eu só conseguia sorrir. Meu lábios estavam aberto em um grande sorriso.

- Sim?

Ele suspirou e quando viu que os meninos estavam bem afastados, me puxou e me abraçou:

- Sim. – ele falou. – Bom, por outros motivos também, Mira, mas, eu percebi que, bom, fiz algumas coisas estúpidas e idiotas, como lutar contra fenrirs sozinho, porque... eu quero que você pense que eu sou grande e forte o suficiente para lutar por você.

Ele parou por um instante e eu só conseguia sorrir, sorrir o mais aberto que eu conseguia, porque... porque sim!

- Então, você... está impressionada? – ele perguntou, e eu conseguia ouvi-lo sorrir, porque, bom, você sabe quando alguém está sorrindo só pelo jeito como ela fala, mesmo que não consiga ver e eu estava sorrindo também e dando risadinhas como uma menina apaixonada.

- Eu (risadinhas) estou. – E olhei para baixo, ainda vermelha e sorrindo.

- Que ótimo. – ele disse e largamos o abraço, para que ele me desse a mão por alguns instantes. – E não aches que não percebi a besteiras que ias fazer.

Estanquei alguns segundos antes de conseguir andar novamente. Não queria que brigássemos e eu sabia que estava errada. Estávamos sendo sinceros com nossos sentimentos e com ele eu não precisava ficar mais presa em modos e etiquetas.

- Eu não conhecia aqueles bichos e fiquei preocupada. Não conseguiria ficar parada vendo que algo poderia acontecer a ti.

- Quando voltarmos terá que ter uma aula somente sobre obediência ao líder e saber quando deves ou não pensar em se machucar por minha causa. – Ele falou com um sorriso bobo no rosto.

- Continuaremos com nossas aulas? – Falei sentindo meu coração bater com força.

- Claro... – Ele parou alguns segundos antes de me perguntar. – A não ser que não querias mais...

Sorri internamente, eu o conhecia o suficiente para perceber que sua preocupação era comigo.

- Como disse antes, confio em ti. – Apertei a mão dele com força, aproveitando os últimos segundos juntos.

Eu ainda estava sorrindo feito boba apaixonada quando entrei no quarto e eu tenho certeza que Lyra me viu. Ela sorriu para mim com aquele ar de quem compartilha um segredo e eu sorrio de volta, como quem confirma, enquanto minha cabeça grita para mim "Ótimo jeito de esconder uma paixão, hein, Mira?" e eu a ignoro solenemente.

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